A chegada de Augusto Leverger à Província de Mato Grosso

por Paulo Pitaluga 28 de junho de 2021 0 comentários
Primeiro prédio construído especificamente para abrigar as instalações da IN, erguido em estilo manoelino entre 1874 e 1877. Inaugurado pelo imperador Dom Pedro II em 1877. Destruído parcialmente pelo incêndio de 15 de dezembro de 1911. / DIVULGAÇÃO

Com a implantação da primeira tipografia provincial, pelo Presidente Pimenta Bueno em 1837, e a conseqüente criação da imprensa cuiabana, com o jornal Themis Mato-Grossense em 1839, Mato Grosso iniciou os primeiros passos para o seu enlightenment.

A figura de Augusto Leverger, o Barão de Melgaço, desponta, em meados desse século. Tendo chegado a Cuiabá em 1830, por várias décadas, na longínqua província aprimorou seus estudos, adquiriu conhecimentos abalizados, aprofundou as suas pesquisas históricas, viajou e navegou pelos nossos rios em estudos hidrográficos.

Defendeu a Província na Guerra do Paraguai, organizando a sua defesa estratégia, e principalmente, governou Mato Grosso por 5 vezes, sendo uma delas, por 6 anos consecutivos. Pelo seu trabalho na província e seu esforço por Mato Grosso, foi agraciado com o título de Barão de Melgaço pelo Imperador D. Pedro II em 1865.

Em Cuiabá, pelo seu passado de glorias militares e administrativas, era o Barão venerado tanto pela população como pela intelectualidade local. E pela sua produção intelectual e cientifica, era respeitado pelos poucos homens cultos de então.

Realmente ele contribuía e fazia por merecer toda a sua magnitude. Ajudava bibliotecas doando livros e coleções de sua propriedade; seus estudos, seus trabalhos, as suas pesquisas eram fontes para o conhecimento genérico de todos; revirava o então desorganizado arquivo da província atrás de precisas informações; estudava velhos dicionários, antigas enciclopédias e autores estrangeiros; correspondia-se com literatos brasileiros de renome, grandes historiadores nacionais da época; corrigia mapas e cartas geográficas no tocante à província mato-grossense. Mato Grosso, sua história, sua geografia, ele bem o conhecia.

Os seus artigos eram publicados na prestigiada revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, numa visita demonstração de competência, de saber e de prestigio intelectual.

Remetia os seus inéditos para o Ministério da Marinha, para a Biblioteca Nacional, para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para geógrafos e pesquisadores de renome, para os locais onde pudessem ser aproveitadores como peças de raro valor cientifico.

Cientistas, militares, viajantes e aventureiros de toda a ordem, que por Cuiabá passavam, brasileiros ou estrangeiros, esclareciam suas dúvidas, obtinham suas informações com o Barão de Melgaço. Muitos deixavam as impressões dessas visitas registrada em suas respectivas obras.

As suas idéias, como geógrafo e historiador, os seus trabalhos científicos, como pesquisador escorreito, tiraram Mato Grosso do obscurantismo cultural em estava mergulhado havia décadas. Foi ele, sem sombra de dúvida, o mentor intelectual de um espontâneo e gradual movimento cultural iniciado por volta de 1870, em que várias instituições de cunho literário e teatral, bibliotecas e gabinetes de leitura começaram a despontar em Cuiabá. A sua figura marcante, obviamente inspirou conceitualmente esse movimento. O intelectual escorreito que iluminou Cuiabá.

Dessa forma, era prestigiado e respeitado. E é claro, num ambiente acanhado culturalmente, fez e deixou escola. Deixou seguidores e admiradores fervorosos, ou que mantiveram contatos pessoais, ou que tomaram conhecimentos de sua abrangente obra. Estevão de Mendonça, José Augusto Caldas, João Augusto Caldas, Luiz Perrot, Francisco de Paula Castro, João Pedro Gardés, Francisco Sizenando Peixoto foram alguns deles.

E assim, com eles, iniciou-se o culto levergeriano.

Passando por uma geração, esse culto ao barão de Melgaço, adentrado ao século XX por obra e graça de Estevão de Mendonça e Antônio Fernandes de Souza, teve uma decisiva influencia intelectual sobre os historiadores que despontaram nesse período.

Esses Herdeiros de Leverger, impregnados pelo culto ao maior vulto da cultura que Mato Grosso até então havia produzido, espelhados nessa figura admirável de intelectual prestigiado, admirados com a competência e lucidez de seus trabalhos científicos, não titubearam e, em homenagem ao grande Augusto Leverger, paradigma de todos, criaram o Instituto Histórico em 1919.

Tanta era a admiração conterrânea que, na celebre fotografia datada de 1º de janeiro de 1919, tirada na residência de Dom Aquino Corrêa, grupo de fundadores do Instituto seguravam, juntos de si, a fotografia do Barão de Melgaço. No caso, a representatividade e o simbolismo foram muitos fortes. O barão estava ali com eles, com a sua intelectualidade, a sua produção cientifica, o seu prestigio, a sua honradez, referendo a criação da novel instituição. Leverger estava como que participando diretamente daquele ato. Leverger, eles queriam mostrar, estava ali com eles fundando o Instituto Histórico.

Nos fins da década de 20 e início de 30, José Barnabé de Mesquita, Virgilio Corrêa Filho, Dom Aquino Corrêa e outros sócios do Instituto, mediante hábil trabalho político perante o governo do estado, conseguiram a desapropriação da casa onde residira o Barão de Melgaço, para salvar aquele precioso patrimônio histórico de possível degradação. Era o culto levergeriano que adentrava pelos anos.

Em 1931, ao unirem-se em sua sede própria o Instituto Histórico e o Centro Mato-grossense de Letras, os herdeiros de Leverger, não titubearam em denominar o casarão já doado e que abrigava as duas instituições, de Casa Barão de Melgaço. Em 24 de junho, foi lavrada a Ata da Sessão Especial de Instalação da Sede Social do Instituto Histórico de Mato Grosso e do Centro Mato-grossense de Letras na Casa Barão de Melgaço, onde encontramos: […] assumiu a Presidência o Exmo. Sr. Dom Aquino Corrêa que declarou aberta esta sessão especial e solenemente instalada a sede definitiva do Instituto Histórico de Mato Grosso e do Centro Mato-grossense de Letras na “Casa Barão de Melgaço” […]. O culto a Leverger ainda subsistindo…

Não só nos atos externados, mas a produção histórica é abundante no tema levergeriano. Estevão de Mendonça, José Barnabé de Mesquita e Virgilio Corrêa Filho, escreveram muito sobre o Barão de Melgaço. Este último, inclusive, denominou-o O Bretão Cuiabanizado, na melhor biografia que já se produziu sobre o mesmo. Parece ter ficado, o Barão de Melgaço, para sempre na memória, no coração e na alma daqueles seus discípulos e seguidores.

Flagrante e notável, portanto, foi a influência de Augusto Leverger, sobre o pensamento e o ideal de toda uma geração de intelectuais e historiadores, geração essa que veio a criar em 1919, i Instituto Histórico de Mato Grosso na cidade de Cuiabá, e a manter, por décadas a fio, o seu nome em evidencia na historiografia regional.


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Paulo Pitaluga

Paulo Pitaluga Costa e Silva é historiador, escritor, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e seu ex-presidente. A sua especialização é na história colonial, em especial, no denominado Mato Grosso espanhol dos séculos XVI e XVII.

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